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Poesie-se:

Atualizado: 7 de jun. de 2023


A “ciranda das mulheres sábias”

Katia Bonfanti


Pela primeira vez, no meu aniversário, estou sincronizada com a energia da estação que me diz muito: a primavera. Eu vivo as distintas estações, mas sou primavera! E nada melhor do que uma roda de poesia, na primavera, para comemorar a entrada do novo ciclo.


Aqui em Portugal, em abril, são tantas cores, tons e sons que nos tomam a atenção, que os dias ensolarados e longos, apequenam-se em face do desabrochar primaveril. Este acontecimento tanto para o reino das plantas, quanto para nós, exige esforços excepcionais, pois não é simples nem indolor florir. Há que se romper a “pele” para dar lugar. Há que se empenhar, para alcançar o novo ciclo... há que se operar pela economia de energia - e outras, talvez, por uma vida inteira para garantir a flor - essência. “O vazio passa a ser cheio” de vida tonalizada e encantos.


No dia 30, no Parque Marechal Carmona nos encontramos em roda poética, demos vida ao POESIE-SE – um projeto organizado por mulheres, para mulheres. Este momento foi inscrito no tempo como um estado, ajardinado, de ser coletivo.


Um instante reservado para tornar a poesia um fio que conduz. Um alinhavo de nossos desejos. Uma dobra para pensar a força da voz feminina no agora. Uma ponte entre palavras que nos unem e nos definem como seres de história e de sensibilidade, capazes de transformar pedreiras em roseiral – “Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz da tua vida mesquinha um poema”. Fala muito bem-assinalada na poética de vozes imortalizadas, tramadas as nossas.


Após o encontro reúno na escrita a polifonia que se deu entre nós e nossas ancestrais, formando laços e versos, compondo nossos reversos fortalecidas nas poesias ofertadas por elas. Montanhas de sofrimento traduzidos em conquistas: legado inestimável que “entrelaçam mundos e sonhos, cantam abraços”.


Como é incrível a conexão transgeracional! Somos deste tempo presente, nos sentamos no relvado com mulheres de tempos distantes, (vejam, ao final do texto, quem foram nossas convidadas de honra) e o que elas dizem nos cabe agora. As poesias nos entregam palavras tão bem-postas, que as vestimos da cabeça aos pés. Isso, porque adotamos como sendo também voz nossa.


É! O tempo, o tempo... Tudo passa. mas tudo permanece: mulheres e suas batalhas vestindo e desvestindo sonhos e mundos!

O que mais podemos descobrir quando nos encontramos para ler poesias em conjunto?

Um momento de parada para reflexão, depois retomamos a marcha com os olhos de ver - torna-se essencial, ou seria vital? Penso que os dois. A presença de nosso pensamento no “aqui agora”, enquanto analisamos os percursos do feminino, nos permite entender quem somos, o que somos, como nos constituímos e o que sentimos. Sentir “uma lágrima no canto do olho sem deixá-la cair” como disse Inês ao se referir ao instante germinativo da poesia é a própria poesia do instante. "Uma palavra dita que reverbera no corpo", disse Vitória. Corpo que arrepia, que se emociona, que acelera o pulso, que sente que a vida pulsa, pulsa, pulsa..., no ser feminino. Tudo isso é legado e poesia, porque “a vida só é possível reinventada”. E nós a reinventamos depois de cada período de hibernação.


Cada uma de nós , seja pela escrita, pela fala, pelas tintas, pela produção de doces, pelo cuidado das plantas, pelas lentes da fotografia, pela maternidade, pelo movimento..., expressamos nossa marca como seres de autoria poética. “O destino de uma mulher é ser mulher.” E ser mulher é “inaugurar a vida em rios vermelhos”. É também deliciar-se com detalhes, ou mesmo um fiapo de tempo livre - sim, o resto do tempo perdeu-se embrulhado na máquina de lavar, na louça crescendo sobre a pia..., - “não sei se vou ou se fico” - ir ao cinema, ou tomar uma taça de vinho com as amigas? O lazer ficou para depois..., E se o desejo é trocar as cadeiras para desfrutar de um prazer singular, por que não? Podemos nos haver com isso?! Mas este é tema para outra roda ou para quando fizermos versos de nossos dissabores e ambivalências.


Adoramos dizer sobre algo belo: Isso é pura poesia ou é “apenas a brisa refrescante varrendo as inocências”.


Então, poetizar a vida não se define por um estado de espírito, mas por uma forma de ver e sentir o mundo. Ser poeta é ser livre, é ser quem se é! Ser mulher e viver intensamente os ciclos... florescer e romper com sistemas sutis e opressivos. Aqueles que estão internalizados em nossas entranhas, os quais lutamos para nos desvencilharmos... – sobre o que eu estava falado acima, que nos carrega de tarefas ou de culpas, que nos faze titubear.


A reflexão sobre nosso processo de vir a ser nos dá possibilidades, protagonismo e esperança. Podemos ser o que quisermos e pudermos ser. Sim. E quando nos reunimos, ecoamos nossas vozes e nos fortalecemos. Mulheres que escutam a si e às outras, avançam em autoconhecimento. Somos grandezas ímpares. Seres de relação. Na complementariedade crescemos, enraizada às nossa ancestrais chegamos até aqui - e são tantas as mulheres imortalizadas pelos seus olhares e dizeres.


Não há como não se impactar com o tom e a força desta mulher que diz: “Em baixa voz, violento os tímpanos do mundo, antevejo, antecipo, antes-vivo... eu fêmea-matriz, eu força motriz...” É um legado que afirma: estamos aqui, somos diversas, somos potentes nos faremos escutar, somos força e vida. Ser poeta é mais do que escrever versos rimados. É fazer surgir o “indizível”. É transformar o silêncio em som, a dor em beleza, o caos em harmonia. É emprestar a voz. É chegar aos tímpanos do mundo e dizer: eu exijo respeito e reconhecimento.


“Mulher é desdobrável. Eu sou”.

A poesia é uma forma de traduzir a vida, de dar sentido ao que nos cerca, de revelar o que nos habita, mas não somente isto. Tornar os acontecimentos poesias. Viver a própria poesia liberta-nos ao passo que nos aponta que há mais por descobrir sobre o ser mulher: “vagos desejos insinuam esperanças”.


Uma força ancestral chama...


Poesie-se. No feminino resida a potência poética do seio que nutre a vida, do gesto de acalenta, do olhar que apazigua e do abraço que é sempre um laço de afeto... Isto é tanto, mas ainda pouco para nos descrever. Poesie-se. O feminino é sublimação e subjetivação do ser. Poesie-se. Sabemos que viver não é exato e nem previsível – viver a poesias é como estar “fora de si” de um modo visceral - porque o que há fora, também está dentro de cada uma de nós, e em produção - saberes compartilhados entre mulheres sábias.


A grande escritora do universo feminino tinha razão quando disse:


“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.


Poesie-se...


Por: Katia Bonfanti

Psicóloga e escritora






Agradeço a todas as mulheres que compartilharam suas vozes e suas histórias neste primeiro encontro, especialmente Vitória, Inês e Fran, coautoras na produção.

Que a poesia continue nos unindo e nos fortalecendo!



E para quem gosta de desafios aqui estão nossas convidadas com suas poesias e suas obras. Boa viagem poética!

Autoria das frases destacadas no texto.

Adélia Prado (Com licença poética)

Conceição Evaristo, (Eu- Mulher)

Cora Coralina (Aninha e suas pedras)

Caren S. Borges (Ventania)

Clarice Lispector (Perto do Coração Selvagem)

Cecília Meireles (Motivo)

Katia Bonfanti (Garatujas)

Clarissa Pinkola Estés

Rupi kaur


Créditos da foto de capa: Vitória Siqueira


Algumas convidadas e suas obras









 
 
 

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