Os Pormenores no Desporto
- katiabonfanti
- 29 de nov. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 1 de abr.

Katia Bonfanti
Psicóloga e terapeuta sistêmica
Viver o tempo com os olhos no presente nos permite perceber os detalhes. Esses pequenos detalhes, muitas vezes escondidos na rotina, como slogans simples em materiais cotidianos, acabam por guiar nossos pensamentos para o futuro.
Nesse percurso, refletindo sobre as palavras, percebi que o desporto pulsa no coração dos jovens, não por acaso. Nos clubes, nas quadras e campos, olhos brilham em busca de superação, amizade e crescimento. Buscam ser a melhor versão de si mesmos em espaços organizados para acolher sua vivacidade, emoções, alegria, agitação, força e habilidades. Tudo o que é próprio da juventude em busca do esporte e, se possível e desejável, futuros atletas. Os ambientes desportivos permitem o gozo, a expressão corporal e o transbordamento de emoções de quem pratica, e de quem assiste.
O desporto, porém, vai além da formação de atletas, ele também forma cidadãos. Cada movimento e cada decisão impactam tanto a habilidade física quanto a construção de valores essenciais para o desenvolvimento humano. Através do esporte, aprende-se de forma concreta sobre limites, conquistas, fracassos e, principalmente, sobre quem se é. O esporte, portanto, é uma ferramenta poderosa na formação de seres compassivos, acolhedores consigo e com os outros.
Contudo, essa jornada é delicada. Nos corpos flutuam emoções e tensões. A linha entre saúde e adoecimento é tênue. Gestos e palavras podem fazer toda a diferença. Sabemos que o que começa como "remédio", se mal administrado, pode se transformar em veneno. No desporto, vale a mesma máxima. Quando um aprendiz é orientado a entender seu erro de forma educativa e acolhedora, ele fortalece sua autoconfiança e aprende que é possível corrigir e avançar para exercícios mais conscientes e elaborados. Isso é visível no desempenho de alto nível dos atletas: eles internalizam orientações eficazes e as tornam aprendizagens significativas e prazerosas.
Por outro lado, um ambiente hostil, marcado por expressões desqualificadoras, pode reforçar inseguranças e comprometer a autoestima. Essas mensagens negativas tendem a ser internalizadas, levando o indivíduo a acreditar que não é capaz. A psicologia demonstra que o reforço negativo é uma estratégia obsoleta, especialmente quando se busca o desenvolvimento integral. Estudos indicam que a exposição contínua a críticas e reforços negativos gera sentimentos de inadequação, prejudica a motivação e pode criar um ciclo de autossabotagem. Um "veneno" que afeta a capacidade de resposta e superação. Por isso, o equilíbrio no ambiente é essencial: ele deve ser um pilar de apoio, não uma fonte de feridas. Quando esse equilíbrio falta, o que deveria ser construtivo se torna prejudicial.
Há seis anos, acompanho o percurso dos meus filhos em diferentes modalidades esportivas. Das experiências no Basquete do meu filho e no Voleibol da minha filha, eles guardam memórias preciosas de seus treinadores. Não importa mais se ganharam ou perderam os jogos. O que permanece são as vivências em equipe, as amizades com os colegas e, principalmente, as atitudes positivas dos treinadores. O olhar encorajador, a palavra acolhedora no erro e a firmeza ao corrigir a técnica tornaram-se forças ativas em suas vidas. O espírito desportivo tomava uma dimensão corpo e mente. Liberdade, alegria e companheirismo.
A referência carinhosa ao "Sor" Márcio revelava o quanto a relação entre educando e treinador pode transcender a técnica esportiva, alcançando dimensões éticas e emocionais. Esses momentos de treino, vividos ao longo da semana, reverberam no tempo, transformando-se em memórias duradouras, talvez inesquecíveis. Esse "Sor" foi o grande outro – aquele que enxergou habilidades ainda latentes, que deu nome ao que, para ela, ainda era invisível. Mais do que um treinador, ele se tornou a porta de entrada para sonhos e desafios, um guia cuja influência permanecerá, sempre.
Um formador capacitado e generoso sabe como fazer crescer seu aprendiz. A relação de confiança se torna uma marca indelével que acompanhará o atleta por toda a vida. Mesmo quando o desporto se transformar apenas em uma memória afetiva da juventude, essas palavras e gestos continuam presentes.
Nos últimos dois anos, em Portugal, algo simples, mas profundamente importante, tem me chamado a atenção: a frase “O desporto começa na atitude”, que vejo frequentemente nos pavilhões desportivos. Essa mensagem convida constantemente à reflexão sobre os valores do esporte – ética, respeito e resiliência – que devem ser priorizados acima de qualquer vitória ou derrota. Precisamos refletir sobre os princípios que orientam o desporto, para que não nos percamos em vaidades e pressões desnecessárias. Participar de atividades esportivas significa mobilizar forças físicas e emocionais para o crescimento, e o ambiente deve ser um gerador de saúde, não de adoecimento. Essa responsabilidade é compartilhada por todos: familiares, amigos, treinadores, organizações e a comunidade como um todo.
Em um contexto como o de Cascais, onde os princípios do programa “Cidade Amiga da Criança” da UNICEF são adotados, temos a responsabilidade de garantir que as práticas esportivas sigam valores fundamentais, como ética, respeito e inclusão. A frase reforça a importância de criar ambientes que promovam o bem-estar físico, emocional e social.
A atitude é tudo. Ela reflete o que somos e o que acreditamos.
A atitude é uma combinação de ações, pensamentos e emoções, que se manifestam de forma positiva, negativa ou neutra, dependendo da nossa relação com o esporte. Como em tudo, no desporto, a atitude positiva deve prevalecer, pois ela sustenta o verdadeiro propósito da prática. Quando falamos de atitude, não nos referimos apenas ao comportamento, mas ao modo como as crenças, emoções e reações dos jovens se constroem ao longo da prática. O esporte fortalece o autoconhecimento, molda o caráter e contribui para o desenvolvimento da personalidade.
O desporto, assim como a religião, carrega princípios que orientam suas práticas. Fair play, cooperação, resiliência e ética – todos esses valores são ensinados e reforçados por familiares, treinadores e formadores, moldando a experiência do atleta e contribuindo para seu crescimento, muito além das habilidades técnicas. A atitude positiva, nesse sentido, pode ser uma aliada poderosa. Ao destacar as forças do indivíduo, como persistência, resiliência e coragem, promove um desenvolvimento emocional que vai além dos limites do campo de jogo.
O momento da vitória ou da derrota traz ensinamentos profundos sobre empatia e respeito. Ao competir, cada aprendiz tem a oportunidade de entender o que é estar no lugar do outro, uma experiência transformadora. O verdadeiro desporto visa promover crescimento e inspirar evolução com dignidade. Na psicologia, reconhecemos que aprender a lidar com as emoções, especialmente em situações de frustração ou êxito, é fundamental para construir uma autoestima sólida e saudável. O esporte se torna, assim, um reflexo das nossas emoções, onde cada reação do corpo e da mente revela não apenas como estamos lidando com a situação, mas também como nos conectamos com os outros.
Se a atitude for moldada por valores, a ética se torna o alicerce do jogo. O esporte deixa de ser uma competição desleal e vira um campo fértil de aprendizagem, onde o respeito mútuo e o jogo justo são tão importantes quanto a própria vitória. O que se aprende no campo reflete-se na vida. E é aí que o esporte se torna fundamental para que os jovens compreendam que os desafios e adversidades fazem parte da jornada e que, por meio da resiliência emocional, podem transformar qualquer dificuldade em um passo a mais para o crescimento pessoal.
Quando os formadores atuam com empatia e respeito, reconhecem a singularidade dessa fase da vida, acolhem as transformações que ela traz e favorecem uma aprendizagem significativa. A infância e a adolescência são períodos delicados, em que o caráter é moldado e as experiências deixam marcas profundas. Crescer já é um processo desafiador e, muitas vezes, doloroso. Torná-lo ainda mais difícil com sofrimento desnecessário é algo que devemos evitar a todo custo.
É vital que o desporto esteja alinhado com uma formação integral. O desenvolvimento do jovem precisa ser multidimensional, abrangendo não apenas a habilidade física, mas também a construção de autoestima, resiliência e empatia. Se o esporte não cumprir essa função, não se recomenda a sua prática. O cérebro jovem, em constante transformação, é especialmente sensível aos estímulos que recebe.
A crença no próprio potencial, mesmo diante de uma derrota, é fundamental para compreender que a vida não se resume a vencer ou perder, mas ao processo vivenciado. Permite aprender que é possível manter um espírito de diversão, trazendo leveza ao momento. Isso é legítimo do desporto, porém as vezes não vemos expressões alegres e leves.
Essa mentalidade de crescimento, reforçada pela resiliência emocional e pela autoeficácia, permite que o jovem se veja como capaz de superar obstáculos e evoluir. Quando se está imerso no processo com a mesma energia de quem busca o sucesso, independentemente da vitória ou derrota, o jovem encontra o verdadeiro sentido de seu esforço, experimentando um estado de flow que transforma cada “jogada” em uma experiência de crescimento contínuo.
A atitude no desporto tem um poder genuinamente transformador. Espero que os aprendizes - atletas, incluindo meus filhos, sejam sempre acompanhados por treinadores éticos e comprometidos com todo o potencial que o desporto pode oferecer. Além de desenvolver habilidades e valores, a prática regular de atividades físicas ativa mecanismos no cérebro que aumentam os níveis de serotonina, dopamina e endorfinas – substâncias que promovem bem-estar, prazer e ajudam a reduzir o estresse. Em tempos desafiadores, essa é, sem dúvida, uma das melhores "fórmulas" para equilíbrio e saúde mental. Mais do que isso, adotar uma "atitude de diversão" no desporto significa encarar desafios e rotinas com leveza, entusiasmo e a disposição de encontrar alegria em cada momento vivido.
Para finalizar, quando a atitude é positiva e o esporte se torna um espaço de cuidado e crescimento integral. Eu complemento a frase: O desporto começa na atitude – uma atitude construtiva, respeitosa e justa. Afinal, a verdadeira prática desportiva não se resume a medalhas, mas sim ao aprendizado e à valorização da humanidade. E lembremos: slogans não são apenas palavras nas paredes, são convites à reflexão.




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