Nós no Peixe
- katiabonfanti
- 15 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de abr.

Palavras & Azeitonas
Por Katia Bonfanti, psicóloga e escritora
Hoje, conversando com uma amiga sobre a escrita de histórias, ela me contou que acompanha uma página de narrativas diárias e que seu dia não corre bem sem aqueles minutos de leitura. Fiquei curiosa, especialmente pelo título: Nós nos Outros. Então, fui até a página no Facebook e percorri muitas histórias. Faz todo sentido para mim.
Sempre que conheço alguém e sinto vontade de escrever sobre essa pessoa, é porque há uma ressonância ainda imperceptível, mas irresistível.
É isso. É sempre eu nos outros, os outros em mim. Um eu que é forasteiro, peregrino, lisonjeiro e, acima de tudo, aprendiz.
Foi por essa teia infinita de ressonâncias que, outro dia, na Peixaria do Peixoto, entre peixes estranhos e criaturas que ainda não consigo aceitar como comestíveis, me vi, sem planejar, tendo uma aula de culinária logo pela manhã.
Mergulhei, sem aviso, na arte de uma sopa de peixe.
Sopa de Peixe Vermelho.
Sopa com espinhos? Sim e não.
O peixe fresco e vermelho-alaranjado, único exemplar sobre o balcão, parecia esperar por seu chef. Naquele dia, o chef undercover também esperava, preparado para decifrar os meandros e as forças do ensolarado, que caiu na rede do Peixoto. Eu, desconhecedora de tantos peixes do mar, mirava o robalo selvagem e o salmão recém-chegado, sentindo-me capaz de preparar apenas esses. Fui, então, brindada com uma explicação detalhada sobre a receita da sopa de peixe vermelho—um nome diferente, talvez rascasso, não tenho certeza... Mas o passo a passo está bem guardado para o próximo ato.
Segundo o chef, trata-se de uma sopa saborosíssima e lisa—se souber fazer. Pois há o perigo. É preciso habilidade para garantir a lisura... Bem, as cebolas loiras são o início do processo, depois as postas bem abafadas, e o cozido ferve até derreter o fortão.
Lembro também da história que ele me contou sobre o peixe. Disse que, há muitos anos, os pescadores o reservavam para si, como fazem os churrasqueiros lá no Sul do Brasil, que guardam o melhor espeto. Segundo o chef, esse peixe era o responsável pela força dos pescadores. Mito ou não, o nome fez sentido na hora. Depois, baralhei, pois estava concentrada em não perder o todo.
Mas no sábado volto ao Mercado para descobrir o nome do peixe e saber mais sobre a lenda daquele viajante vermelho. Quem sabe descubro mais particularidades dos nós no peixe… um peixe inquieto, curioso, resistente, que sai dos Açores e ressurge—vivo—no Mercado de Cascais.
Seria mesmo bom reencontrar o chef e conferir se sua sopa deu certo e se ele sentiu diferença na força depois de tomá-la. Isso seria um dado importante na manutenção do mito.
De qualquer modo, no sábado eu vou, sem falta, ao Mercado. Porque gosto de escutar as pessoas sobre suas andanças, suas histórias antigas e as lendas que, sem querer, revelam tanto de quem as conta. Mesmo os que narram sem desejar ser descobertos, como o chef undercover.
Passo primeiro no Peixoto para dizer que o próximo peixe da força que chegar dos Açores é todo meu—porque imigrar exige muita força. E, no fundo, é também sobre uma sopa de peixe que nos envolve—ora com, ora sem espinhas.
O que importa é que, naquela altura, a ressonância imperceptível esteve o tempo todo ali—para o chef misterioso, para o peixe dos Açores e para mim.
Entendem?
Depois, sigo para a magia do café e para mais Palavras & Azeitonas.


😊
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